Os meandros da construção sustentável
Entrevista: Nelson Kawakami
Redação AECweb
A certificação de impacto ambiental que chegou ao Brasil em 2006, através do GBC – Green Building Council – deve ser incorporada pelos estádios que receberão os jogos da Copa 2014 e pelas edificações a serem executadas para as Olimpíadas no Rio de Janeiro. A informação é de Nelson Kawakami, diretor-executivo do GBC Brasil, em entrevista ao AECweb. Para ele, “é uma pena que esteja sendo criada no país uma elite de prédios ‘verdes’, enquanto a maioria sequer obedece as normas técnicas da ABNT”. Falta, segundo ele, consciência dos investidores e conhecimento de que um prédio comercial sustentável custa, no máximo, 10% a mais e, o residencial, entre 1% e 4%.
AECweb – Qual é o compromisso entre o COB e o GBC Brasil para as obras das Olimpíadas 2016?
Kawakami - Existe um compromisso entre o Comitê Olímpico Brasileiro e o Green Building Council de que todas as obras que serão construídas no Rio de Janeiro para as Olimpíadas serão certificadas. Não terá que ser, necessariamente, uma certificação LEED. Esse compromisso do COB pretende garantir o aspecto sustentável dos jogos.
AECweb – E os estádios para a Copa do Mundo no Brasil?
Kawakami - Os projetos de vários estádios de futebol receberam orientação da FIFA e da CBF de pleitearem a certificação. Vários deles já estão prevendo os critérios para a obtenção do selo. A prefeitura do Rio de Janeiro, inclusive, já nos pediu para providenciar uma especificação de projetos e obras da reforma do Maracanã.
AECweb – O que é fundamental num estádio para que seja certificado?
Kawakami - Os princípios são sempre os mesmos e se resumem a cinco critérios básicos, a começar pela localização que permita implementar transporte coletivo, e que a construção agrida o menos possível o meio ambiente e a vizinhança. Depois, requer a implantação de sistemas de reutilização de água de chuva e águas cinzas – no caso dos estádios, trata-se de um volume importante de água para irrigação do gramado. Outro fator importantíssimo nessas arenas é a energia gerada a partir de soluções como placas fotovoltaicas ou outra fonte renovável. É preciso que utilizem materiais recicláveis, de forma a retirar menos recursos da natureza e que a obra seja organizada, não afete os vizinhos e gere a menor quantidade possível de resíduos.
AECweb – Onde está o maior entrave para a sustentabilidade na construção no país?
Kawakami - O maior entrave ainda está no investidor e incorporador que entendem que a obra sustentável tem maior custo. Eles desistem porque não querem gastar mais dinheiro, mesmo que colham os benefícios futuros na operação do edifício. Essa postura impede que o mercado mude mais rapidamente.
AECweb – Quanto mais caro, realmente, custa um prédio ‘verde’?
Kawakami - Um prédio comercial terá custo um total de construção entre 5% e 10% mais caro que o convencional, e o residencial entre 1% e 4%. Mas o incorporador acha que custa 20% ou 30% mais caro e tem a crença de que a construção não agride a natureza. É um problema de consciência, de cultura, de visão.
AECweb – Quando o empreendedor vai utilizar o edifício, ele investe em certificação porque sabe que o payback é ótimo, certo?
Kawakami - As grandes construtoras, como WTorre e Tishman Speyer que constroem e depois administram o prédio para o usuário final, além dos grandes usuários como a Petrobras, têm a visão completa do processo. E sabem que, se gastarem um pouco mais na construção, o retorno é fantástico.
AECweb – E qual é o ‘payback’?
Kawakami - Cada segmento de obra tem um ‘payback’ diferente. Por exemplo, quando se faz uma reforma num prédio para otimizar o uso da água, o retorno do investimento é de cerca de 11 meses. Conheci um projeto que se pagava em 4 meses. Fiquei admirado e confirmei com o pessoal do projeto PURA. O ‘payback’ de um projeto de energia elétrica é de um ano, no máximo um ano e meio. Num prédio novo é ainda mais favorável porque tudo foi pensado no projeto.
AECweb – Da concepção à execução, qual a etapa que apresenta maior dificuldade?
Kawakami - Entendo que ainda é o todo. Nem todas as empresas de projeto incorporaram a visão de sustentabilidade, mas têm que começar a se preocupar com essa sistemática. O desenvolvimento do projeto deve contar com a participação de todos, desde a geração da idéia, para que se tenha menor retrabalho. Apesar de toda a evolução que tivemos na construção civil nos últimos anos, o canteiro de obras continua apresentando perdas elevadas.
AECweb – De um lado, estão os edifícios certificados. De outro, grande parcela que sequer adota normas técnicas. Está se criando uma elite ‘verde’?
Kawakami - O Brasil é um país de diferenças sociais gritantes. Na construção civil não é diferente. Acabamos de produzir uma cartilha para orientar a autoconstrução e as pequenas construtoras no caminho da sustentabilidade. Com isso, queremos influenciar e mudar essa realidade que, como você acabou de dizer, vai se criando uma elite ‘verde’. É uma pena que seja assim.
AECweb – É grande o número de ‘green wash’?
Kawakami - Com certeza. É a ‘lei do Gerson’ ainda em vigor, com o pensamento do tipo: “vou dizer que faço, e não faço, e ganho mais”. O edifício é vendido como se fosse sustentável e não é nada. E, às vezes, é até pior que o convencional. Teve um caso – não me lembro qual a construtora -, de um prédio anunciado como ‘verde’. Um comprador ligou no GBC perguntando se não podíamos fazer alguma coisa, pois nem água tinha no edifício, além de apresentar uma série de defeitos de construção. Eu não tenho poder legal para acionar ninguém, não é nosso papel, mas do Ministério Público que lança mão do Código de Defesa do Consumidor. Só vamos acabar com o ‘green wash’ a partir da conscientização do consumidor.
AECweb – O poder público têm essa consciência para suas edificações?
Kawakami - Está começando. O melhor exemplo que temos é o da prefeitura do Rio de Janeiro, para quem elaboramos há dois anos o caderno de encargos para todas as obras que contratariam para seus prédios próprios. É o caso do edifício Pereira Passos que está sendo reformado e certificado com o LEED. Desenvolvemos com eles, ainda, o projeto de uma escola certificável que será replicada 28 vezes - está em fase de projeto executivo.
AECweb – Já existe no Brasil algum retrofit com LEED?
Kawakami - Hoje são sete prédios comerciais sendo retrofitados e que pleiteiam o LEED. Em São Paulo, posso citar o edifício Eluma, na avenida Paulista, com mais de 30 anos de existência, e o New Century, nos Jardins. No Rio de Janeiro, o edifício La Tour está fazendo um retrofit tão amplo, incluindo as fachadas, que virou nova construção. Essa é, portanto, uma área que avança e tem muito por crescer porque há um grande número de prédios antigos ineficientes. Nos Estados Unidos, o número de prédios em reforma se equilibra com novas construções.
AECweb – No Brasil, quantos edifícios estão certificados com o LEED?
Kawakami - Temos 149 edifícios pedindo o LEED. Desse total, dez já estão certificados. Isto equivale a menos de 1% das novas obras, portanto, há muito o que fazer. Em 2008, tínhamos 102 pedidos; em 2007, eram 47; e em 2006, oito.
AECweb – Há demanda para o LEED EB O&M destinado a edifícios existentes?
Kawakami - Os dois edifícios de São Paulo que estão sendo retrofitados entram na categoria LEED de Operação e Manutenção (O&M). Temos, ainda, os edifícios Firmenich – Fibras II, em Cotia; o SBIBHAE – Unidade Morumbi; a Torre Sandanter São Paulo; e a Sede da Serasa - São Paulo.
AECweb – Qual a posição do GBC Brasil em relação ao selo Procel EDIFICA?
Kawakami - O GBC Brasil apóia o selo brasileiro lançado pela Eletrobrás. Tanto o Procel EDIFICA como o LEED são baseados na norma técnica internacional ASHRAE 90.1, utilizada pelos projetistas brasileiros. O selo foi anunciado em 2007, em caráter experimental, e agora formalizado. Já há, pelo menos, quatro prédios etiquetados – dois da Universidade Federal de Santa Catarina e duas agências da Caixa Econômica Federal. É um caminho importante para a sustentabilidade, ao exigir desempenho energético e alguma coisa em relação a água.
Redação AECweb
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2 comentários:
muito interessante essa entrevista, engraçado o contraste dos discursos dos arquitetos e empreendedores e a prática, vide Dubai...
mesmo assim parabéns para esses jovens arquitetos do Terra Arquitetura, estão na vanguarda crítica na busca de uma arquitetura mais comprometidade e decente,que respeite as pessoas e as cidades, pelo menos estão tentando...
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